quarta-feira, 24 de agosto de 2011

A APRENDIZAGEM COMO OBJETO DE ESTUDO


PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM
A PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM
A APRENDIZAGEM COMO OBJETO DE ESTUDO
                        Qualquer um de nós é capaz de responder sem pestanejar a perguntas do tipo: o que você aprendeu hoje na escola? E sabemos também justificar nossas habilidades, por exemplo, de escrever e ler, consertar alguma coisa ou dançar, dizendo que aprendemos. Usamos o termo aprender sem dificuldades, pois sabemos que se somos capazes de fazer algo que antes não fazíamos, é porque aprendemos.
                        No entanto, para a Psicologia o conceito de aprendizagem não é tão simples assim. Há diversas possibilidades de aprendizagem, ou seja, há diversos fatores que nos levam a apresentar um comportamento que anteriormente não apresentávamos, como o crescimento físico, descobertas, tentativas e erros, ensino etc. nós mesmos temos uma amiga que sabe uma poesia inteira em francês, porque copiou 10 vezes como castigo, há 20 anos atrás, e tem apenas uma vaga idéia do que está dizendo quando a declama podemos dizer que ela aprendeu a poesia? Essas diferentes situações e processos não podem ser englobados num só conceito.
                        E assim a psicologia transforma a aprendizagem em um processo a ser investigado.
                        São muitas as questões que têm sido respondidas pelos teóricos da aprendizagem: Qual o limite da aprendizagem? Qual a participação do aprendiz no processo? Qual a natureza da aprendizagem? Há ou não motivação subjacente ao processo? As respostas a essas questões têm originado controvérsias entre os estudiosos da aprendizagem.

TEORIA DA APRENDIZAGEM
                        Encontramos um número bastante grande de teorias da aprendizagem. Essas teorias poderiam ser genericamente reunidas em duas categorias: as teorias do condicionamento e as teorias cognitivistas.
                        No primeiro grupo, estão as teorias que definem a aprendizagem pelas suas conseqüências comportamentais e enfatizam as condições ambientais como forças propulsoras da aprendizagem.
                        Aprendizagem é a conexão entre o estímulo e a resposta. Completamente a aprendizagem, estímulo e resposta estão a tal modo unidos que o aparecimento do estímulo evoca a resposta.
                        No segundo grupo estão as teorias que definem a aprendizagem como um processo de relação do sujeito com o mundo externo e que tem conseqüências no plano da organização interna do conhecimento (organização cognitiva). A concepção de Ausubel, que se enquadra neste grupo, diz que a aprendizagem é um elemento que provém de uma comunicação como mundo e se acumula sob a forma de uma riqueza de conteúdos cognitivos. É o processo de organização de informações e integração do material pela estrutura cognitiva.
                        O indivíduo adquire assim um número crescente de novas ações como forma de inserção em seu meio.

CONTROVÉRSIAS BÁSICAS ENTRE ESTAS CONCEPÇÕES
            De maneira geral, poderíamos apontar três controvérsias. A primeira refere-se à questão do que é aprendido e como.
Para os teóricos do condicionamento aprendemos hábitos, isto é, aprendemos a associação entre um estímulo e uma resposta e aprendemos praticando; para os cognitivistas, aprendemos a relação entre idéias (conceitos) e aprendemos abstraindo de nossa experiência.
A segunda controvérsia refere-se à questão do que mantém o comportamento que foi aprendido.
Para os teóricos do condicionamento, o comportamento e mantido pelo seqüenciamento de respostas. Explicando melhor: uma resposta é, na realidade, um conjunto de respostas. Quando falamos no comportamento de abrir uma porta, é fácil perceber que ele é composto de diversas respostas intermediárias: pegar a chave na posição certa para que entre na fechadura, encaixá-la na fechadura, virar corretamente e abaixar então a maçaneta. São essas diversas respostas que, reforçadas (bem-sucedidas), preparam a etapa seguinte e mantêm a cadeia de respostas até que o objetivo do comportamento seja atingido.
Para os cognitivistas, o que mantém um comportamento são os processos cerebrais centrais, tais como a atenção e a memória, que são integradores dos comportamentos.
A terceira controvérsia refere-se à maneira como solucionamos uma nova situação-problema (transferência da aprendizagem).
Para os teóricos do condicionamento, evocamos hábitos passados apropriados para o novo problema e respondemos, quer de acordo com os elementos que o problema novo tem em comum com outros já aprendidos, quer de acordo com aspectos da nova situação, que são semelhantes à situação já encontrada. Por exemplo, quando a criança aprende a dar laço nos sapatos, saberá dar laço em presentes, no vestido ou na fita do cabelo.
Os cognitivistas acreditam que, mesmo no caso de haver toda a experiência possível com as diversas partes do problema, como saber todas as etapas para dar um laço, isso não garante que a solução do problema seja alcançada. Seremos capazes de solucionar um problema, se este for apresentado de uma forma, mas não de outra, mesmo que ambas as formas requeiram as mesmas experiências passadas para serem solucionadas. De acordo com os cognitivistas, o método de apresentação do problema permite uma estrutura perceptual que leva ao insight, isto é, à compreensão interna das relações essenciais do caso em questão. Por exemplo, quando montamos um quebra-cabeça e sacamos o lugar de uma peça sem termos feitos tentativos anteriormente.
A TEORIA COGNITIVISTA DA APRENDIZAGEM
Desenvolveremos alguns conceitos básicos dessa abordagem através da teoria de David Ausubel.
COGNIÇÃO
Inicialmente, vale a pena esclarecer o conceito de cognição. Cognição é o
processo através do qual o mundo de significados tem origem. À medida que o ser se situa no mundo, estabelece relações de significação, isto é, atribui significados à realidade em que se encontra. Esses significados não são entidades estáticas, mas pontos de partida para a atribuição de outros significados. Tem origem, então, a estrutura cognitiva (os primeiros significados), constituindo-se nos 'pontos básicos de ancoragem' dos quais derivam outros significados. (MOREIRA; MASINI, 1993, p. 2).
Por exemplo, quando precisamos ensinar à criança a noção de sociedade, podemos levá-la a dar uma volta no quarteirão e observar com ela tudo o que lá existe. A criança atribuirá significados aos elementos dessa experiência e poderá, posteriormente, compreender a sociedade.
O cognitivismo está, pois, preocupado com o processo de compreensão, transformação, armazenamento e utilização das informações, no plano da cognição.
APRENDIZAGEM
O processo de organização das informações e de integração do material à estrutura cognitiva é o que os cognitivistas denominam aprendizagem.
A abordagem cognitivista diferencia a aprendizagem mecânica da aprendizagem significativa.
a. Aprendizagem mecânica - refere-se à aprendizagem de novas informações com pouca ou nenhuma associação com conceitos já existentes na estrutura cognitiva. Você se lembra da nossa amiga que decorou a poesia em francês? É um exemplo deste tipo de aprendizagem, pois o conteúdo não se relacionava com nada que ela já possuísse em sua estrutura cognitiva (por isso ela não entendia o que dizia, apenas sabia a poesia de cor). O conhecimento assim adquirido fica arbitrariamente distribuído na estrutura cognitiva, sem se ligar a conceitos específicos.
b. Aprendizagem significativa - processa-se quando um novo conteúdo (idéias ou informações) relaciona-se com conceitos relevantes, claros e disponíveis na estrutura cognitiva, sendo assim assimilado por ela. Estes conceitos disponíveis são os pontos de ancoragem para a aprendizagem. Por exemplo, nós estamos aqui apresentando a você um novo conceito - o de aprendizagem significativa. Para que este conceito seja assimilado por sua estrutura cognitiva, é necessário que a noção de aprendizagem apresentada pelos cognitivistas já esteja lá, como ponto de ancoragem. E esta nova noção de aprendizagem significativa, sendo assimilada, servirá de ponto de ancoragem para o conteúdo que se seguirá.

OS PONTOS DE ANCORAGEM
Os pontos de ancoragem são formados com a incorporação, à estrutura cognitiva, de elementos (informações ou idéias) relevantes para a aquisição de novos conhecimentos e com a organização destes, de forma a, progressivamente, generalizarem-se, formando conceitos. Por exemplo, crianças pequenas podem, inicialmente, ter contato com sementinhas, que, plantadas num canteiro, surgem como folhinhas; ter contato com animais, que geram novos animais; e ainda ter contato com as pedras e a areia da rua. Estes contatos podem ser explorados até que as crianças tenham condições cognitivas de perceber as diferenças entre os seres e, assim, adquirir as noções de seres vivos -vegetais e animais - e seres inanimados. A partir da aquisição destas noções básicas, as crianças estarão aptas a aprender outros conteúdos e a diferenciar e categorizar os diferentes seres. Podemos, então, dizer que as noções de seres vivos e não-vivos são pontos de ancoragem para outros conhecimentos.
O exemplo acima poderá dar a impressão de que falamos de pontos de ancoragem apenas na aprendizagem realizada por crianças. Não, falamos de aprendizagem significativa e de pontos de ancoragem sempre que algum conteúdo novo deva ser aprendido. Assim, na disciplina de Física, com certeza seu professor trabalha inicialmente a noção de energia e/ou eletricidade, para desenvolver s outros conteúdos que supõem compreensão desses conceitos.
E, indo um pouco mais além, podemos dizer que não estamos falando apenas da aprendizagem que se dá na escola. Pense em alguém que nunca tenha visto, nem ouvido falar do jogo de futebol, isto é, não tenha pontos de ancoragem para as informações que lhe chegam através da televisão na transmissão de uma partida. Com certeza, não entenderá nada ou, aos poucos, com base em informações que possua de outros jogos, começará a organizar as informações recebidas, vindo mesmo a entender o que se passa.
UMA TEORIA DE ENSINO: BRUNER
A partir de concepções, como esta de Ausubel, sobre o processo de aprendizagem, alguns pesquisadores desenvolveram teorias sobre o ensino, procurando discutir e sistematizar o processo de organização das condições para a aprendizagem.
Entre esses teóricos, ressaltaremos a contribuição de Jerome Bruner.
Bruner concebeu o processo de aprendizagem como "captar as relações entre os fatos", adquirindo novas informações, transformando-as e transferindo-as para novas situações. Partindo daí, ele formulou uma teoria de ensino. O ensino, para Bruner, envolve a organização da matéria de maneira eficiente e significativa para o aprendiz. Assim, o professor deve preocupar-se não só com a extensão da matéria, mas, principalmente, com sua estrutura.
A ESTRUTURA DA MATÉRIA
A aprendizagem, que deve ser sempre capaz de nos levar adiante, está na dependência de como se domina a estrutura da matéria estudada, isto é, a natureza geral do fenômeno; as idéias mais gerais, elementares e essenciais da matéria. Para se garantir este "ir adiante", é necessário ainda o desenvolvimento de uma atitude de investigação.
Para se dar conta do primeiro aspecto (estrutura da matéria), Bruner propõe que os especialistas nas disciplinas auxiliem a estruturar o conteúdo de ensino a partir dos conceitos mais gerais e essenciais da matéria e, a partir daí, desenvolvam-no como uma espiral - sempre dos conceitos mais gerais para os particulares, aumentando gradativamente a complexidade das informações. Por exemplo, em Física é necessário começarmos pela noção de energia, em Psicologia pela noção da vida psíquica e em História pelas noções de Homem, Natureza e Cultura.
Quanto à atitude de investigação, Bruner sugere que se utilize o método da descoberta como método básico do trabalho educacional. O aprendiz tem plenas condições de percorrer o caminho da descoberta científica, investigando, fazendo perguntas, experimentando e descobrindo.
O ensino, para Bruner, deve estar voltado para a compreensão. Compreensão das relações entre os fatos e entre as idéias, única forma de se garantir a transferência do conteúdo aprendido para novas situações. Este princípio geral norteia a proposta de Bruner até no que diz respeito ao trabalho com o erro do aprendiz. O erro deve ser instrutivo, diz Bruner. O professor deverá reconstituir com o aprendiz o caminho de seu raciocínio, para encontrar o momento do erro e, a partir daí, reconduzi-lo ao raciocínio correto.
Bruner ainda postula que “qualquer assunto pode ser ensinado com eficiência, de alguma forma intelectualmente honesta, a qualquer criança, em qualquer estágio de desenvolvimento"[1]. Para que isto seja possível, é necessário que o professor apresente a matéria à criança em termos da visualização que ela tem das coisas. Isto é, a criança poderá aprender qualquer coisa, se a linguagem do professor lhe for acessível e se seus conhecimentos anteriores lhe possibilitarem a compreensão do novo conteúdo. O trabalho do professor é um verdadeiro trabalho de tradução: da linguagem da ciência para a linguagem da criança. Para isto, Bruner propõe que o professor se utilize da teoria de Piaget, onde as possibilidades e limites da criança em cada fase do desenvolvimento estão claramente definidos.
Bruner e Piaget podem auxiliar muito o professor na organização do seu ensino, mas será sempre necessário que o professor conheça a realidade de vida de seu aluno - sua classe social, suas experiências de vida, suas dificuldades, a realidade de sua família etc. - para que o programa possa ter algum significado e importância para ele; isto é, não basta conhecer teoricamente o educando, é preciso conhecê-lo concretamente.
MOTIVAÇÃO
A motivação continua sendo um complexo tema para a Psicologia e, particularmente, para as teorias de aprendizagem e ensino. Atribuímos à motivação tanto a facilidade quanto à dificuldade para aprender. Atribuímos às condições motivadoras o sucesso ou o fracasso dos professores ao tentar ensinar algo a seus alunos. E, apesar de dificilmente detectarmos o motivo que subjaz a algum tipo de comportamento, sabemos que sempre há algum.
O estudo da motivação considera três tipos de variáveis:
1. o ambiente;
2. as forças internas ao indivíduo, como necessidade, desejo, vontade, interesse, impulso, instinto;
3. o objeto que atrai o indivíduo por ser fonte de satisfação da força interna que o mobiliza.
A motivação é, portanto, o processo que mobiliza o organismo para a ação, a partir de uma relação estabelecida entre o ambiente, a necessidade e o objeto de satisfação. Isso significa que, na base da motivação, está sempre um organismo que apresenta uma necessidade, um desejo, uma intenção, um interesse, uma vontade ou uma predisposição para agir. Na motivação está também incluído o ambiente que estimula o organismo e que oferece o objeto de satisfação. E, por fim, na motivação está incluído o objeto que aparece como a possibilidade de satisfação da necessidade.
A gíria possui um termo bastante apropriado para a significação de motivação: "estar a fim". Quando dizemos "estamos a fim de", estamos expressando nossa motivação. E vejamos num exemplo: "Estou a fim de ler este livro todo" (esperamos que não seja um exemplo absurdo!) - o livro aparece como o elemento do ambiente que satisfará minha necessidade ou desejo de conhecer um pouco de Psicologia. O próprio ambiente, de alguma forma, gerou em mim este interesse, ou porque li outros livros que falavam do assunto, ou porque meu colega citou a Psicologia como uma ciência interessante, ou porque vi uma psicóloga em um filme e me interessei. Ambiente - organismo - interesse ou necessidade - objeto de satisfação. Está montada a cadeia da motivação.
Retomando, podemos dizer que a motivação é um processo que relaciona necessidade, ambiente e objeto, e que predispõe o organismo para a ação em busca da satisfação da necessidade. E, quando esse objeto não é encontrado, falamos em frustração.
MOTIVAÇÃO E O PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM
A motivação está presente como processo em todas as esferas de nossa vida - no trabalho, no lazer, na escola.
A preocupação do ensino tem sido a de criar condições tais, que o aluno "fique a fim" de aprender. Sem dúvida, não é fácil, pois acabamos de dizer que precisa haver uma necessidade ou desejo, e o objeto precisa surgir como solução para a necessidade. Duplo desafio: criar a necessidade e apresentar um objeto adequado para sua satisfação.
Resolver este problema é, sem dúvida, a tarefa mais difícil que o professor enfrenta. Consideraremos abaixo alguns pontos:
a. uma possibilidade é que o trabalho educacional parta sempre das necessidades que o aluno traz, introduzindo ou associando a elas outros conteúdos ou motivos,
b. outra possibilidade, não excludente, é criar outros interesses no aluno.
E como podemos pensar em criar interesses?
1. Propiciando a descoberta. Bruner é defensor desta proposta. O aluno deve ser desafiado, para que deseje saber, e uma forma de criar este interesse é dar a ele a possibilidade de descobrir.
2. Desenvolver nos alunos uma atitude de investigação, uma atitude que garanta o desejo mais duradouro de saber, de querer saber sempre. Desejar saber deve passar a ser um estilo de vida. Essa atitude pode ser desenvolvida com atividades muito simples, que começam pelo incentivo à observação da realidade próxima ao aluno - sua vida cotidiana -, os objetos que fazem parte de seu mundo físico e social. Essas observações sistematizadas vão gerar dúvidas (por que as coisas são como são?) e aí é preciso investigar, descobrir.
3. Falar ao aluno sempre numa linguagem acessível, de fácil compreensão.
4. Os exercícios e tarefas deverão ter um grau adequado de complexidade. Tarefas muito difíceis, que geram fracasso, e tarefas fáceis, que não desafiam, levam à perda do interesse. O aluno não "fica a fim".
5. Compreender a utilidade do que se está aprendendo é também fundamental. Não é difícil para o professor estar sempre retomando em suas aulas a importância e utilidade que o conhecimento tem e poderá ter para o aluno. Somos sempre "a fim" de aprender coisas que são úteis e têm sentido para nossa vida.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BOCK, A.M, FURTADO O, TEIXEIRA L.T. Psicologias. Uma introdução ao estudo de psicologia. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1991.


[1] J.S Bruner. O processo da educação. P.31